28.10.07

Noite em Só


Realizando a luz que acende ao entrar da madrugada, despertei, ainda em meio às brumas dos desejos em sonho, sentindo o fogo de salamandras que percorriam minha nuca ao lembrar de ti. Em cadência de sensações das mais ansiosas e urgentes refleti, em um único suspiro, a incredulidade do que eu já deveria saber, que a madrugada chegaria perturbando, clamando os desejos mais intensos, as fantasias mais secretas.

Sem fôlego murmurei aquilo que era minha vontade. Instintivamente comecei a reescrever, em minha pele, nossa prosa, aquela que praticamos, como se pratica a escrita com nanquim, que aos poucos se torna mais firme, mais solta, fluência em movimento singular.

Com um sorriso amante, larguei o lençol e me agarrei em mim, cerrando os olhos refiz o caminho de Kundalini, permitindo que ela tomasse posse e controlasse meus sonhos. Minhas mãos ponteavam a música tocada pelo coração acelerado, minha mente se perdia em você, meu corpo era invadido pelo seu, dando permissão à reprodução, em memória, do teu sabor. O ar faltou, um gemido mudo escapou, e nada mais era necessário, querido ou, sequer, pensado.

Em algum momento, sentindo o presente, como se quer o passado, adormeci. Envolta pelos braços e carinhos de meu Morpheu, filho de Hipnos, Deus do sono e dos sonhos, desejei-lhe boa noite, recebi bons sonhos e agucei meus ouvidos para escutar os primeiros sons do sol que nascia, desejando que você tenha tido um pouco daquilo que lhe dei, nesta noite, como amante companhia solitária.


Imagem: Dunas de Quark

Referência:Kundalini

24.10.07

Desejos...



Chuva que lava,
traz pra mim os sonhos
Batiza meu nome de paixão
e faz dele uma gota
Transforma minha mente em amor
e faz dela um eterno peregrino
Faz do meu corpo puro vento
e permita a ele invadir as casas
sem freios, sem pudores...

14.10.07

Poema em Linha Reta

Por Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

(Dedico aos meus amigos que me aturam mesmo assim.
Eu não conseguiria falar de melhor forma...)

7.10.07

Domingo


Contagiada pela lasciva preguiça,
dou minhas próprias boas vindas...
Transparente em vontade,
permito o desvanecer dos sonhos...
Permissiva em atitude,
Deixo que minha vontade seja o único guia...

Seja bem vindo, meu Domingo...
(Foto Cor Morango, de Amanda Com)