2.1.06

Um olhar para a alma

Mais um dia de domingo abafado e cinzento. Propício para o estimulo a preguiça, observo então pela janela, sem grande atenção, divagando por desejos comuns a um domingo: frio, chocolate quente, edredom e filme na TV. Até aparecer aquela moça de cabelo negro e mecha branca, com olhar triste e ombros curvados por um fardo que apenas ela conhece. Se aproxima e senta no banco com vista para o mar.

Os trovões marcam presença, o céu escurece e a tempestade desaba em questão de minutos. Mas ela permanece, não se escondeu ou fugiu, apenas abaixou mais a cabeça e deixou-se lavar. Naquele lugar, um simples banco, em frente a uma simples praia, ela lembrava de todas as suas tristezas e dores, dos que se foram ou se afastaram, da solidão que a cerca, do silêncio que a recebe todas as noites.

Em madrugadas de frio intenso, um frio da alma, desperta assustada com pesadelos inconfessáveis e intraduzíveis, corre como sempre à procura de colo, para no meio do corredor, pálida, perdida e lembra que seu colo está ali, ao lado da cama, em um caderno velho de criança, com uma caneta sem tampa. E assim ela volta, acende a luz para espantar todos os fantasmas escondidos por trás das cortinas, e escreve. Com fervor se expressa e se coloca, se perdoa e se destrói, se ama e se espezinha.

Ali, sozinha, sentada de cabeça baixa, ela segura nas mãos aquele único tesouro que lhe resta: ela mesma em monólogos de dor e amor. Quando a chuva cai, ela não o guarda e protege como esperava que fizesse, apenas olha, talvez lembrando como preferia que os monólogos fossem diálogos, de como seria saboroso ouvir “Você está errada” ou, ao menos, de como seria bom simplesmente recostar a cabeça em um ombro e voltar a dormir sem se atormentar por horas com imagens estúpidas.

E com esses desejos em mente ela observa o caderno se desfazer aos poucos e por entre os pingos de chuva, tristezas e dores ela percebe o primeiro raio que surgiu. Sente seu calor e seu alento, entende seu brilho como bom presságio, se levanta, mas agora de cabeça erguida e atenta. Percebe que naquele mar de silêncio e solidão existe uma presença que se fará notar e firma seu olhar no horizonte para percebê-la, um novo, colorido e alegre horizonte, com suas dores e brigas – afinal o que seriamos de todos nós sem uma boa discussão?

Pensam que a chuva cessou? Que a tempestade passou? Não, mas eu sim... Não me viu da sua janela voltando para casa?

1 Comments:

Blogger Kath said...

Lindo!

10:32 PM  

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